domingo, 13 de maio de 2007

Companheiros de Viagem

Começaram por ser apenas meia dúzia há quase trinta anos. Hoje são mais de duzentos a ir todos os anos a pé até Fátima. E a cada ano que passa com mais pessoas novas. Gente de todas as idades, de todas as origens.

A eles tenho a agradecer a amizade, o companheirismo e a ajuda nestes últimos dias, sem a qual não teria sido possível fazer este trabalho.


Foto do grupo à chegada a Fátima, em frente à Capelinha das Aparições.

sábado, 12 de maio de 2007

Finalmente Fátima

Quem já fez a pé a recta final em direcção a Fátima sabe com toda a certeza qual é a sensação ... Parece que aquela estrada nunca mais tem fim. Ansiamos pelo momento da chegada, mas o destino nunca mais se vislumbra ...

Ainda antes disso, o percurso não é nada fácil para quem já tem vários dias de quilómetros nas pernas. É sempre a subir a serra antes de chegar a Minde. Acabo por perder-me do grupo com o qual parti de Lisboa. Oportunidade para conhecer pelo caminho pessoas que vieram de vários pontos do país. Cruzo-me com um grupo de Pegões, outro do Vimieiro. Mais à frente outro de Vila Nova de Santo André, no distrito de Beja. Pessoas que andaram o dobro dos quilómetros do que eu para cá chegar ...

Mas depois de me cruzar com várias pessoas pelo caminho, acabo por chegar sozinho ao Santuário. E é como me dizia uma das pessoas que conheci esta semana e que já aqui citei : apesar de ter cá estado em outras ocasiões, a sensação no final de toda esta semana de peregrinação é realmente diferente.
E com muitas estórias por contar.

Pode consultar aqui o percurso desta peregrinação.



Crónica de um jornalista em viagem.


Imagem e Edição de João Duarte

Nem foi preciso bater à porta. Ela já estava entreaberta. Uma senhora de cabelos brancos aproxima-se e dá as boas tardes.
Eu estava praticamente no meio do nada, e aquela era uma das poucas casas à vista de momento naquela aldeia. Pelo menos com sinais de ser habitada.
Digo que, por estranho que possa parecer, tudo o que eu mais precisava naquele segundo era de uma tomada de electricidade. Para ligar o computador portátil.
Aquela senhora nunca me tinha visto de lado nenhum, e no entanto deixou-me entrar. Indicou-me uma tomada à entrada e disponibizou-me uma mesa. Mas a maldita placa 3G voltava a não ter rede suficiente. “Essa rede nunca apanha muito aqui”, diz o marido que entretanto apareceu, perante a cara de desespero do jornalista que precisa de enviar trabalho. Oferece-me depois a sala. Mas mais uma vez nada. Depois o quarto. Tudo na mesma. Maldita placa, que só me dá dores de cabeça!
Quase a perder a esperança, vou lá para fora. Uma brecha, um mínimo de rede. O suficiente para enviar qualquer coisa. Sem ter de pedir, o senhor liga-me uma extensão eléctrica para o portátil na rua. Depois vai buscar um chapéu de sol. E só tenho na memória a pergunta insistente :”Do que é que precisa mais?”.
Esta era uma pessoa que eu não conhecia de lado nenhum. E ali estava a dar-me a sua casa.
Despachado o trabalho, agradeço-lhe por ter salvo o meu dia e digo que não me posso despedir sem saber o seu nome. E responde:

- “Manuel Girão... até ver!”.
- “Até ver não... até girar!”, brinca a mulher Deolinda.

E entre um ataque de riso, prometo que se alguma vez voltar àquelas paragens, seja por causa de Fátima ou qualquer outro motivo, venho com certeza cumprimentá-los. Ao que eles me respondem:

-“Venha então. Mas avise antes, que é para prepararmos o almoço!”

sexta-feira, 11 de maio de 2007

Bom humor peregrino ...

Cada vez mais perto.

Hoje em conversa lado a lado na estrada alguém me dizia: "A primeira vez que fui a pé para Fátima parecia que estava a chegar a um sitio totalmente diferente daquele onde já tinha estado tantas vezes antes...".
À medida que os dias passam e o cansaço nos começa a querer dominar, cresce a ansiedade de chegar ao destino. Confesso que já dei por mim a pensar nos momentos de maior cansaço: "Nunca mais chegamos a Fátima ...".
Mas o interessante é que há ao mesmo tempo algo que não consigo explicar... Uma vontade de lá chegar e uma curiosidade como se de facto fosse a primeira vez que fosse para aquele sitio. Não sei qual vai ser a reacção. Só sei que depois da experiência desta semana, não vou certamente ver Fátima com os mesmos olhos. ´

Pode consultar aqui o percurso da peregrinação.



João Duarte, no noticiário das 08h00, 11 de Maio de 2007


quinta-feira, 10 de maio de 2007

Peregrinos sem rumo

Nem sempre são uma fé e uma devoção inabaláveis que levam alguém a fazer uma peregrinação a pé até Fátima. Pelo caminho encontramos pessoas que dizem ter perdido a fé a determinada altura da vida, ou ter muitas dúvidas em relação a Deus. Pessoas que afirmam não encontrar um sentido no mundo. Vêm por isso à procura de sentidos.
Há quem encontre mesmo um novo rumo. E há quem diga que tudo fica na mesma.
Uma reportagem que pode ouvir aqui.


João Duarte, no noticiário das 18h00, 10 de Maio de 2007

O percurso da peregrinação pode ser consultado aqui.

A meio caminho.

Estamos em Santarém. A meio do caminho. A meio da semana. Notam-se diferenças nas pessoas, e na forma como vivem agora a peregrinação.
É algo que demora talvez porque não seja fácil desligar a tomada da corrente do mundo do dia a dia. E só ao segundo ou terceiro dia se começa realmente a entrar numa outra dimensão.
Por vezes há quem sinta necessidade de se isolar, de fazer o seu caminho sozinho. Mas há também quem procure o "outro" na estrada. Em muitos casos até mesmo uma pessoa que nem sequer se conhecia antes, e com quem só agora se travou conhecimento. E ao longo de vários quilómetros vai-se falando abertamente. Pessoas que se identificam porque têm em comum problemas, dúvidas, vivências.
Há aqui uma abertura que não há normalmente. Há uma predisposição por parte das pessoas para se ir ao encontro de quem não se conhece, procurar saber, procurar ajudar.
Depois, a questão estará em conseguir transportar ou não tudo isto para o dia a dia. Dependerá muito das pessoas, mas quando se volta a ligar a tomada, será que se consegue que algo tenha mudado ? Esse parece-me o grande desafio.
O percurso da peregrinação pode ser consultado aqui.

Estórias sem rosto

Cada pessoa encerra uma estória. Cada um tem um motivo para estar aqui.
Um pai que, em desespero, me confessa pelo caminho que tem um filho ainda novo internado há vários meses, sem que os médicos saibam do que se trata. Uma mãe que teve um cancro numa altura em que tinha cinco filhos para criar. Sobreviveu. Nunca mais deixou de vir.Uma rapariga que tinha a mãe doente e prometeu ir a Fátima. Foi num ano. A mãe acabou por morrer. Mesmo assim regressou este ano, e agora a pé. Diz que apesar do que aconteceu tem de dar graças por ter tido a mãe que teve.
Mas o pagar de uma promessa nem sempre é o que traz apenas uma pessoa a pé até Fátima. Há quem venha porque precisa de se encontrar, e encontra aqui um caminho possivel. Ou simplesmente porque não tem nada mais a perder. Há quem tenha passado por dramas, como a toxicodependência. Ou quem diga não conseguir encontrar sentido no mundo.
E depois há todos aqueles para quem, para além de uma experiência de fé, a peregrinação é uma fuga ao quotidiano que quase não nos deixa tempo para pensar na vida. "A estrada é um retiro", repete-me uma companheira de viagem.
O percurso da peregrinação pode ser consultado aqui.

Notas de viagem...



O percurso da peregrinação pode ser consultado aqui.

quarta-feira, 9 de maio de 2007

Os Cireneus dos Tempos Modernos


Há sempre uma mão para nos ajudar. Esta parece ser uma constante ao longo do caminho. Em grupo, somos quase uma família. Se não temos água, logo há alguém que estende a garrafa e enche a nossa. Se nos esquecemos dos pratos e garfos de plástico em casa, não é preciso esperar muito para que nos emprestem os talheres. Se vêem que não vamos a andar bem, logo nos perguntam o que temos. E não demora muito para que se chame alguém que tenha uma pomada milagrosa ou nos faça uma massagem.
Não é preciso que seja alguém conhecido para que essa pessoa se aproxime de nós. São gestos que vêm muitas vezes de desconhecidos, mas que em comum têm o facto de estarem a trilhar o mesmo caminho.
Como Simão, o Cireneu, fez ao carregar a cruz de Jesus, há sempre alguém para nos ajudar a superar as dificuldades.
Ao longo da estrada são vários os pontos de ajuda. E não só pontos organizados, como os postos de assistência da Cruz Vermelha, mas também pessoas que espontaneamente querem ajudar.Como um grupo de quatro senhoras que veio de Lisboa e estaciona o carro à beira da estrada, carregado de bolos, água, sumos e chá, para oferecer com simpatia aos peregrinos que vão passando. Elas só vão a pé a Fátima em Outubro. Mas sabem que nessa altura outro alguém vai lá estar para as ajudar na viagem.
O percurso da peregrinação pode ser consultado aqui.


João Duarte, 9 de Maio de 2007

terça-feira, 8 de maio de 2007

Primeiras dificuldades


Imagem e Edição de João Duarte

E ao segundo dia, eis que começam a surgir as primeiras dificuldades. O calor apertou, o que nunca é uma boa noticia para quem se fez à estrada por estes dias a caminho de Fátima a pé. Nas paragens para descanso já são muitos os que têm de tirar os sapatos para aliviar os pés.
Valem as carrinhas de apoio ao peregrinos. Oasis no meio de um deserto de asfalto.
Ou então os pontos de assistência da Cruz Vermelha espalhados ao longo do caminho. Só na semana do 13 de Maio, um deles costuma dar ajuda a mais de quatro mil peregrinos, conta-me um dos responsáveis. As marcas do cansaço são visiveis : chegam em muitos casos desidratados, com os pés mal-tratados, ou então com insulações devido ao sol que parece teimar em ficar cada vez mais forte.
Hoje já foi uma correria, mas o movimento vai intensificar-se nos próximos dias.
O percurso da peregrinação pode ser consultado aqui.

Maratona sem tempo



"Isto não é uma maratona. O objectivo não é chegar à meta no menor tempo possível. É chegar lá com o coração aberto". É desta forma que me respondem quando pergunto porque é que demoramos seis dias a chegar a Fátima e, no caminho, vamos sendo apanhados por outros grupos que partiram depois de nós... Dizem que não faz sentido andar só por andar, correr só por correr para chegar ao destino. É preciso também parar para pensar.
E não raras vezes paramos pelo caminho. É também uma oportunidade para meter conversa, conhecer quem segue lado a lado connosco na estrada. A seguir ao almoço ou ao jantar há sempre um momento diário de reflexão e oração, de troca de experiências, de partilha de testemunhos, como aconteceu hoje em Vila Nova da Rainha.
A metáfora pode ser já bastante usada, mas encaixa mais uma vez nesta situação. Estar a caminho é um pouco uma imagem do que é a própria vida. Se um dia temos de atravessar a confusão de uma Estrada Nacional repleta de barulho, dos camiões que passam por nós, no outro já cruzamos a pacatez dos campos do Ribatejo. Se um dia uma brisa fresca nos acompanha na viagem, no outro o calor dificulta-nos o andar. Em todo o caso, é sempre uma maratona. Mas ao nosso próprio tempo.
O percurso da peregrinação pode ser consultado aqui.


João Duarte, no Jornal do Meio-Dia, 8 de Maio de 2007